quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Manifesto Antropófago – 1928

Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os
coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.



Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud
acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo
exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da
saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos
o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a
mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.
Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as
revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre
declaração dos direitos do homem.
A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as
girls.
Filiação. O contato com o Brasil Caraíba.
Où Villegaignon print terre. Montaigne. O homem
natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à
Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos.
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo
nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O reianalfabeto
dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo.
Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da
vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições
exteriores.
Só podemos atender ao mundo orecular.
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A
transformação permanente do Tabu em totem.
Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O
stop do pensamento
que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças
românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
O instinto Caraíba.
Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu
.
Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.
Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império.
Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos
portugueses.
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju
A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos
bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas
gramaticais.
Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício
da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o.
Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?
Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não
rubricado. Sem Napoleão. Sem César.
A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E
os transfusores de sangue.
Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.
Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o
Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.
Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos
comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.
Se Deus é a consciência do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe
dos vegetais.
Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da
distribuição. E um sistema social planetário.
As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os
Conservatórios e o tédio especulativo.
De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.
O
pater familias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas + falta de
imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.
É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não
precisava. Porque tinha Guaraci.
O objetivo criado reage como os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós
com isso?
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de
D. Antônio de Mariz.
A alegria é a prova dos nove.
No matriarcado de Pindorama.
Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.
Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas.
Suprimamos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar
nos instrumentos e nas estrelas.
Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.
A alegria é a prova dos nove.
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente
do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modus vivendi capitalista. Antropofagia.
Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena
finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em
si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males
catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica
do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor.
Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa
antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o
assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos
agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João
Ramalho fundador de São Paulo.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI: – Meu filho, põe
essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É
preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem
complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de
Pindorama.

OSWALD DE ANDRADE
Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha."
(Revista de Antropofagia,
Ano 1, No. 1, maio de 1928.)

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Por que deveria meu nome ser lembrado?



1

Outrora pensei: em tempos distantes
Quando tiverem ruído as casas onde moro
E apodrecido os navios em que viajei
Meu nome ainda será lembrado
Juntamente com outros.

2.
Porque louvei as coisas úteis, o que
no meu tempo era tido como vulgar
Porque combati as religiões
Porque lutei contra a opressão ou
Por um outro motivo.

3.
Porque fui a favor dos homens e tudo
Coloquei em suas mãos, honrando-os assim
Porque escrevi versos e enriqueci a língua
Porque ensinei o comportamento prático ou
Por qualquer outro motivo.

4.
Por isso achei que meu nome ainda seria
Lembrado, em um pedra
Estaria meu nome, retirado dos livros
Seria impresso nos novos livros.

5.
Mas hoje
Concordo em que seja esquecido
Por que
Perguntariam pelo padeiro, havendo pão suficiente?
Por que
Seria louvada a neve que já derreteu
Havendo outras neves para cair?
Por que
Deveria haver um passado, havendo
Um futuro?

6.
Por que
Deveria meu nome ser lembrado?

Bertolt Brecht
(1898-1956)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Balada de um soldado morto


Durava mais de seis anos a guerra 
E a paz não apareceu
Então o soldado se decidiu
E como um herói morreu
Mas como a guerra não terminou
O rei vendo morto o soldado
Ficou muito triste e pensou assim:
Morreu antes do fim.


E o soldado jazia em paz
Até que uma noite chegou ao front
Um médico militar
Tiraram então o soldado da cova
Ou o que dele sobrou
E o médico disse:
“Tá bom pro serviço, ainda tem muito pra dar!”




Saíram levando dali o soldado
Que já aprodecia
Rezavam em seus braços duas freiras
E uma puta vadia
E como o soldado cheirava a morte
Um padre ia em frente ao andor
Perfumando a cidade com nuvens de incenso
Para encobrir o fedor

A banda ia na frente da procissão 
Fazendo bum bum prá trá
Para que o soldado marchasse
Como no batalhão
Dois enfermeiros erguiam o soldado
Para mantê-lo de pé
Pois se ele caísse no chão
Virava um monte de lixo!

Na frente marchava um homem de fraque
Usando gravata engomada
Um bom cidadão consciente de ser
“Patriota da Pátria Amada”
Tambores e gritos de saudação
A mulher, o padre e um cão
O soldado ia morto cambaleando
Um mico de porre dançando
E quando passavam pelas cidades
Ninguém enxergava o soldado
E todos entravam na grande marcha
Gritando: “Pela Pátria lutar!”
Agitavam bandeiras esfarrapadas
Para esconder o soldado
Que só podia ser visto de cima
Mas em cima só brilham estrelas...

Mas as estrelas não estão sempre lá
E outro dia nasceu
Então de novo morreu o soldado
E foi outra vez enterrado!
(Bertolt Brecht/Kurt Schwaen - versão de Cacá Rosset. Encarte do Disco Cida Moreira Interpreta Brecht)



sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Clarice

‎"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro."

Clarice Lispector

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Atributos

"Olha pra mim e diz que o que você é
é o que o outro espera de você
A flor que caça seu perfume te envenena pelo espinho
mas se procurar bem, você acaba encontrando
Não a explicação duvidosa da vida
Mas sua poesia inexplicável"




citação: Lembrete - Carlos Drummond de Andrade
Perto e distante - Tiê, Pedro Granato e Plinio Profeta

agradecimento especial ao Gabriel Espanha pela colaboração na composição



domingo, 6 de novembro de 2011

Algemas

O telefone chamou, chamou, chamou... e você não atendeu

Meu pensamento viaja constantemente até onde você está

Até me dar conta que minha realidade exige minha presença

Não dá pra eu levantar e te encontrar onde você está

Mas como eu quero, eu estou viajando. Todas às vezes

As circunstâncias me colocam algemas

mesmo sabendo que foi eu que adicionei essas circunstâncias

Tudo é claro, consequência das escolhas.

Busca constante do equilíbrio

Busco meu fluxo, jogo minha sintonia, conecto com a tua.

Compartilhamos as mensagens, as experiências, a energia.

A fraternidade

Desse jeito, nenhuma algema me prende.

Depende só da gente


domingo, 23 de outubro de 2011

A vida e tudo que nela há


Deixar a vida me guiar
Por esse caminho que eu vou trilhar
Fazer o indispensável pra viver
Bem melhor ser feliz

Descobrindo a cada dia a vida
e tudo que nela há
e tudo que eu possa encontrar
dentro de mim
Descobrindo a cada dia quem eu sou
Quem eu pretendo ser e vendo quem eu já fui

Viver intensamente cada dia
Aproveitando os minutos da rotina
Vendo a cor do detalhe esquecido
Sorrir a toa pra todo mundo

Dizer palavras bonitas
Escrever poesia
Fugindo da regra se quiser
O importante é dizer e crescer

Valorizando mais e mais a cada dia
A vida e tudo que nela há
Tudo que eu possa encontrar perto de mim
Navegar por esse mar é preciso
Se molhar é irreversível contudo compensador