sábado, 27 de fevereiro de 2010

Nômade

Aquela que eu conheci inesperadamente
Me encantei loucamente
Que vive e sofre inconscientemente

Aquela que eu revi em momentos felizes
Diversão como amigos e coração a mil por hora
Como no primeiro amor, primeiras crises

Aquela que eu nunca esquecerei
O dia que seus lábios tocaram nos meus
Pela primeira vez e única

Aquela que me aqueceu sob os lençóis
Que eu dormi abraçado, acordei desacreditado
A melhor das noites ao seu lado

Um dia ela me disse:
"Durma com os anjos e sonhe comigo
Pois um dia durmirá comigo e sonhará com os anjos"
E esse dia chegou

Aquela que me permitiu momentos felizes
Iludiu e traiu meu amor
Aquela que desaparece e volta
Sempre quando não a espero

Aquela que sempre faz meu coração explodir no peito
Que me faz desejá-la cada encontro mais e mais
E quando desaparece me faz conformar com sua situação
Nômade

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Proibido

Eu corria sem aguentar mais. Meus pés não suportavam mais aquela bota, minha saia meio longa chicoteava meus joelhos ensanguentados.As escadas em que corria sujaram-se também como rastros do inferno. Já não enxergava mais com meus cabelos molhados de suor e lágrima sobre meus olhos.Minha blusa branca já não era mais tão branca agora com manchas vermelhas colocadas. Eu corri subindo essas escadas por 16 andares, agora que só faltam três a vontade é de me soltar e deixar rolar, literalmente.

Cheguei me arrastando ao eliporto e lá estava a vadia. Parecia até mais um filme das panteras. Eu a coitadinha contra a vadia loira. Como ela tinha pose.Vestido de gala branco, sapatos que pagariam uma semana de refeições a mais de mil crianças famintas.Sinicamente se aproximava de mim que acabar de sair da porta que dava aquelas escadas.Aqueles olhos verdes que eu sempre admirei os mistérios da profundidade fatal. Antes que ela se aproximasse demais eu corri para orla do local e admirei a cidade.

Como eu amo São Paulo, olhar ao estádio do Morumbi onde nós demos nosso primeiro beijo no show da Rihanna, cantora que ela adora. Sinceramente eu nunca vi muita graça nas músicas dela antes.Eu não entendia por que ela não quer continuar comigo. Nós duas somos adultas. Claro que um romance lésbico não seria muito bom pra carreira dela. Jornalista de televisão acaba se tornando celebridade contra vontade. Não era o caso pois ela adora a fama.Confesso que achei que o momento mais difícil da minha vida foi contar pra minha mãe que eu era lésbica, mas esse amor negado esta sendo o pior pra mim.Ela apareceu ao meu lado, nos abraçamos e me deu uma vontade louca de me jogar com ela. Eu pareço louca mais foi uma vontade comum, como se estivesse passando em frente a uma loja e desse vontade de entrar.Eu não hesitei e me joguei abraçada a ela. Ela tentou se livrar mas já era tarde. Ela morreu antes de chegar ao chão. Foi a pior cena que eu vi. O penteado se desfez, ela deu um grito alto que foi cortado após ela bater a cabeça em uma parte da parede do edifício e perder a consiência.

Eu chorei. Mas é melhor que isso que ver ela se casando pela imagem dela.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Nunca

As pessoas sempre me olhavam com censura por escolher com tanta garra minha profissão futura tão jovem. Com apenas 8 anos gritava pra quem quiser ouvir que eu queria ser médico.Quando entrei no colegial, com 14 anos, no ponto fundamental da adolescência já estava com minha meta traçada. Faltavam três anos ainda mas comecei a estudar muito cedo, como se o exame vestibular fosse em algumas semanas.Nunca é cedo pra começar quando se decide ser médico. A profissão que eu mais admiro e nunca vou desistir de conquistar. Meus melhores amigos em seus primeiros romances, confesso que de vez em quando me sentia um pateta em deixar de viver as aventuras no fim de semana, pois nas primeiras aulas pela segunda de manhã eu era o único da turma que não tinha novidades.Hoje não me arrependo de ter me matado tanto de estudar e ter dado meu primeiro beijo com 17 anos, na festa de boas vindas aos novos estudantes de medicina. A felicidade era mais que completa. Aqueles amigos que tinha no colegial, a última vez que os vi foi no baile de formatura, conversando sobre onde trabalhar no verão.Tudo tem seu preço, nunca ninguém conquistará algo a mão beijada. Deixei a cidade do interior onde eu morava, pra viver em uma república em São Paulo, afinal era impossível viajar todos os dias. Conclui discretamente a faculdade, não fui o melhor da turma mas também não decepcionei. Como clínico geral, hoje aos 28 anos me sinto feliz e completo. Agente percebe que é feliz quando olhamos e sentimos que o problema dos outros são maiores que os nossos.Sinto uma vontade de ajudar esse garoto que perdeu todos os movimentos do corpo. Eu o conheci no dia em que ficou assim. Fui buscar minha irmã mais nova que iria fazer um teste em um teatro na avenida paulista.Estava sentado na recepção entediado quando um dos concorrentes se levantou ao sinal da secretária e acabou tropeçando indo de cara ao chão, todos deram risadas abafadas, me entriguei em tentar rapidamente prever sua reação esbravejada mas ele riu mais que qualquer outro ali e nem tinha percebido que os outros riam dele.A felicidade dele me contagiou, ele estava tão feliz como se fosse como uma criança abrindo seus presentes embaixo da árvore na sala na manhã de natal. Esses rápidos momentos de felicidades tornam-se as lembranças mais maravilhosas de nossas vidas.O garoto todo empolgado com o papel que recebera da secretária saia correndo da recepção. O assunto foi unânime, a patética queda dos jovem sonhador. Entre as secretárias o assunto mudou rápido, do tombo do garoto passou para seu desempenho no teste, teste esse que minha irmã estava nesse exato momento fazendo. Agora eu entendia o drama da minha irmã falando que o teste era muito difícil e que se ela passasse tornaria-se a maior estrela nacional.As secretárias boquiabertas não entendia o motivo da nota tão generosa que o jovem sonhador conquistara.Até eu ficaria feliz como ele se conquistasse o que ele conquistou e olha que eu não sou muito de demonstrar minhas emoções. Não compreendia o quanto, mas era muito. Qualquer um percebia isso.Pouco menos de um minuto após a sída do garoto a recepção foi invadida por um caminhão amarelo. Todo mundo teve alguns arranhões e se desesperaram mas minha preocupação foi com o motorista da carreta.Na batida ele voou pelo vidro e foi atirado do outro lado da sala. Consegui fazer alguns truques de primeiros socorros básicos e salvar sua vida. Conseguimos sair dali quase 5 horas depois. Minha irmã saiu intacta e adorou virar celebridade por um dia. Foi em todos os programas de televisão naquela semana contando detalhes do acidente que eu vi pois ela saiu da sala do teste depois de tudo estar destruido.Eu tomei como missão ajudar aquele motorista. Prometi a mim mesmo que nunca ia abandonar aquele garoto até ele se recuperar ou morrer. Morrer. Triste fim daquele jovem sonhador que morreu na hora, ele parecia ter conquistado seu sonho. Espero estar fazendo a coisa certe. Pelo menos eu nunca me arrependi das escolhas que fiz na vida, apesar dos altos preços pagos pelas minhas escolhas.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Eletrônico

As coisas mais complexas do universo,
Compactadas em partículas superpotentes.
Os humanos e sua forma de pensar,
Somos nós que pensamos em criar sonhos.
E com facilidade, os dos outros somos capazes de acabar.

Ter maldade já virou rotina
Já é eletrônico
Viver sem amanha
Já é eletrônico
Buscar a companhia
Já é eletrônico
Achar o acaso
Já é eletrônico
E o atual sentimento humano
Deve ser eletrônico.

A evolução do mundo criou,
A ambição humana acima de tudo
Tecnologias são quase humanas
Só lhe resta o importante, a chave fundamental
Os sonhos e a esperança,
E com facilidade, as dos outros somos capazes de acabar.

Ter maldade já virou rotina
Já é eletrônico
Viver sem amanha
Já é eletrônico
Buscar a companhia
Já é eletrônico
Achar o acaso
Já é eletrônico
E o atual sentimento humano
Deve ser eletrônico.


Nós e nossa forma de pensar, tudo isso mudou,
A tecnologia é relativa...
Nem sempre má
Nem sempre boa
Nisso, seu ponto humano.
Imperfeita.

Ter maldade já virou rotina
Viver sem amanha
Buscar a companhia
Achar o acaso
E o atual sentimento humano
Deve ser eletrônico.

Ter maldade já virou rotina
Já é eletrônico
Viver sem amanha
Já é eletrônico
Buscar a companhia
Já é eletrônico
Achar o acaso
Já é eletrônico
E o atual sentimento humano
Deve ser eletrônico.


Nem sempre eletrônico, nem sempre virtual, nem sempre original...

Letra de Rodrigo Ribeiro e Renan Lushon (p/ 2006)

Sempre e Sempre

Eu sabia que só tinha 15 anos, mas também sabia que era mais esperto que qualquer garoto da minha idade. Meu pai confiava em mim. Foi no final do verão, a vida das pessoas já estavam na rotina pesada novamente. Eu cheguei da escola na nossa casa nova e não intendi aquele caminhão novo em frente minha casa. Eu sempre fui suspeito pra falar de veículos, principalmente caminhões pois era minha paixão. Aquela belíssima frente amarela me possibilitava ver meu reflexo nela de tão lustrosa que era. Meu pai saiu de casa e com uma pergunta irônica me disse que o caminão era meu. Nunca usei drogas mas a sensação que as pessoas dizem que ela propcia era exatamente o que eu estava sentindo. Podia arriscar até mais. Achava um exagero aqueles vencedores de quiz show ficar pulando de alegria por acertar perguntas inúteis e ganhar dinheiro, mas acabava de midar minha opinião sobre a reação .Eu parecia uma criança abrindo seus presentes embaixo da árvore na sala na manhã de natal. Me lembrava o último natal com minha mãe e eu ganhando um boneco de plástico que era a sensação daquele ano. Como o ser humano só consegue dar valor pras coisas que ele perde? Me sinto privilegiado em dar valor ao sonho em lata que representava aquele caminhão pra mim.

Muitas voltas nos bairros da cidade já não tinha mais graça pra mim, que queria me aventurar. Como sou louco! Me deu na cabeça, peguei a rodovia e parti pra São Paulo. Em meia hora já estava na avenida paulista, em velocidade normal. Meu celular vibrou, um descuido pra ver quem me ligava quase atropelei um maluco que atravessou a avenida correndo, se eu não desvio, ele morre. Mas ao fazer essa manobra pra salvar esse idiota, perdi o controle da carreta e entrei de uma vez na calçada. Fiz um boliche humano e destrui a fachada de um teatro. Eu matei pelo menos três pessoas nessa brincadeira e machuquei algumas outras. Tirei o sonho de três almas. É por isso que luto pra sobreviver. Sair vivo daquilo foi um presente. Claro que não é muito legal ficar dependendo dos outros pra tudo, mas perder o movimento de todas as partes do meu corpo parecia ser a lição perfeita. Eu sempre tive medo de perder meu pai, mas graças a mim ele está no pior lugar da terra agora, pagando por meus erros. Eu sempre vou carregar a culpa.

Sempre

Sempre me imaginei na glória e onde estou agora, nessa belíssima sala de espera parece ser o passo mais confiante e feliz de toda minha vida. Talvez em nenhum outro momento da minha vida eu estive mais convicto de que era a coisa certa a ser feita. Turbilhão de sentimentos positivos inundaram meu interior como uma criança abrindo seus presentes embaixo da árvore na sala na manhã de natal, isso no momento em que a secretária anunciou minha vez de entrar na sala. Sala essa que eu fixava meu olhar em sua porta desde o exato segundo em que eu pisei naquela recepção. Abri a porta e me deparei com aquele corredor perfeito, com aroma de arte, era tanta informação bela que meus dois olhos devoraram aquilo como famintos e aí sim, a verdadeira porta. Com meu toque a maçaneta girava e a porta afastava para dentro do recinto, intorpecido da ingratidão que a razão fazia, se pos contra processar a informação que até parecia camera lenta, não podia acreditar em algo tão surreal. Apesar de olhar com tanta confiança, não podia esquecer do propósito de estar entrando ali, cada passo valia o próximo, tinha que ser preciso. O homem em pé no palco me encarava como "mais um" e eu timidamente confiante ignorei seu ceticismo em meu talento e subi como se fosse para receber o Oscar. Me lembro que depois disso estava novamente na recepção, que já não havia mais graça depois de ter visto como era lá dentro. Antes estava esperando para entrar, agora espero um documento que me leva a fabrica da cena. Passei no teste. A impressora parecia lenta demais pra minha anciedade. Na hora em que fui chamado, levantei eufórico pra pegar meu envelope premiado da mão da secretária antipática e metidamente fracassada e tropecei no primeiro passo que me fez rasgar parte de minha camisa com a queda .Eu mesmo ri de mim, na verdade isso se chamava felicidade. Eu sempre quero rir assim.

Descendo a escada daquele predio em que eu fui elogiado pelo mais chato de todos os mestres da profissão que eu idolatro, me imaginei com todas as boas consequências do que eu acabara de conquistar. Cheguei a ponta da calçada, esperando o semáforo de pedestres permitir minha travessia enquanto eu guardava meu envelope em minha mochila. Me lembro de ouvir uma grave buzina, olhei pra frente e a última imagem era a frente de um caminhão amarelo que com certeza não estava sob controle e não respeitava a lei de velocidade da via. Eu sempre tive medo da morte, mas ela não é tão ruim assim. Na verdade eu sempre achei que morrer não era o fim.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O Lamento da Fênix

Um bosque, no fim da tarde
O contraste da minha arte
Sua beleza pelo meu combate
Infiel

Infiel eu a meus principios
Mas que vale mais minha felicidade
Incompleta, espera quieta uma possivel realidade

Base dos meus sonhos,
Acordado e dormindo atordoado
Esperando...

Penso em ser vilão
De minha própria paixão,mas trairei meu coração
Selvagem,

Uma arma nas mãos, um tiro programado
Mas não o faço
Me sinto atormentado

Nunca acaba,
Mas as longas pausas me estragam
Constante variante,
O impiedoso tempo...
Somente lamento
Como fênix em sofrimento.

Espero que meu coração restaure das cinzas.

Reflexo

Em minha frente a minha imagem repetida
Oposto em contraste, tesouros internos
Interrogações expostas, mas diamantes brilham no fundo de seus olhos
Encantados enxergar tanta raridade

A meu lado há quem veja o mesmo
Burle as regras lógicas e disfarça tramas
Mas é uma regra inválida, com efeitos colaterais
Perturbador não ser acreditado

Amo, me encanto
Faço, sem querer o errado
Me entrego de pura bondade
Perdõe meu egoísmo

Tentei-te o bem
Mas aceito o mar calmo
Sendo Reflexo


Só o reflexo
Sem tal amor
Que não retribuído
São hoje apenas vestígios
Que de vez em quando tenta manifestar-se

E mostrar-se pró ativo a se re-acender
E me fazer sofrer


Por favor
Por favor, não
Não Reflexo
Te imploro Reflexo...
Por que isso Reflexo?

Me ensina a te esquecer.
Finalmente te esquecer

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Carta para um jovem poeta

Paris, 17 de fevereiro de 1903

Prezadíssimo Senhor,
Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acerca da feição de seus versos, pois sou alheio a toda e qualquer intenção crítica. Não há nada menos apropriado para tocar numa obra de arte do que palavras de crítica, que sempre resultam em mal-entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizívies quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, — seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera. Depois de feito este reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria, somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com a maior clareza no último poema Minha alma. Aí, algo de peculiar procura expressão e forma. No belo poema A Leopardi talvez uma espécie de parentesco com esse grande solitário esteja apontando. No entanto, as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem mesmo a dirigida a Leopardi. Sua amável carta que as acompanha não deixou de me explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos sem que a pudesse definir explicitamente. Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem — usando da licença que me deu de aconselhá-lo — peço-lhe que deixe tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, — ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever?” Escave dentro de si uma resposta profunda. Se for afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acordo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fosse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma força grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aqueles que a sua própria existência cotidiana lhe oferece; relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza — relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, as coisas do seu ambiente, as imagens dos seus sonhos e os objetos de sua lembrança. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas deste longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre o lusco e fusco diante do qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, — o único existente. Também, meu prezado Senhor, não lhe posso dar outro conselho fora deste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra sua vida; na fonte desta é que encontrará resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha significar que o Senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu peso e a sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou. Mas talvez se dê o caso de, após essa decida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o Senhor de renunciar a se tornar poeta. (Basta como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo). Mesmo assim, o exame de sua consciência que lhe peço não terá sido inútil. Sua vida, a partir desse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais do que lhe posso exprimir. Que mais lhe devo dizer? Parece-me que tudo foi acentuado segundo convinha. Afinal de contas, queria apenas sugerir-lhe que se deixasse chegar com discrição e gravidade ao termo de sua evolução. Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez somente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa. Foi com alegria que encontrei em sua carta o nome do professor Horacek; guardo por este amável sábio uma grande estima e uma gratidão que desafia os anos. Fale-lhe, por favor, neste meu sentimento. É bondade dele lembrar-se ainda de mim; e eu sei apreciá-la. Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigavelmente. Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança. Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho. Com todo o devotamento e toda a simpatia,

Rainer Maria Rilke

Esse texto foi um presente de um herói na hora mais precisa.