quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Nunca

As pessoas sempre me olhavam com censura por escolher com tanta garra minha profissão futura tão jovem. Com apenas 8 anos gritava pra quem quiser ouvir que eu queria ser médico.Quando entrei no colegial, com 14 anos, no ponto fundamental da adolescência já estava com minha meta traçada. Faltavam três anos ainda mas comecei a estudar muito cedo, como se o exame vestibular fosse em algumas semanas.Nunca é cedo pra começar quando se decide ser médico. A profissão que eu mais admiro e nunca vou desistir de conquistar. Meus melhores amigos em seus primeiros romances, confesso que de vez em quando me sentia um pateta em deixar de viver as aventuras no fim de semana, pois nas primeiras aulas pela segunda de manhã eu era o único da turma que não tinha novidades.Hoje não me arrependo de ter me matado tanto de estudar e ter dado meu primeiro beijo com 17 anos, na festa de boas vindas aos novos estudantes de medicina. A felicidade era mais que completa. Aqueles amigos que tinha no colegial, a última vez que os vi foi no baile de formatura, conversando sobre onde trabalhar no verão.Tudo tem seu preço, nunca ninguém conquistará algo a mão beijada. Deixei a cidade do interior onde eu morava, pra viver em uma república em São Paulo, afinal era impossível viajar todos os dias. Conclui discretamente a faculdade, não fui o melhor da turma mas também não decepcionei. Como clínico geral, hoje aos 28 anos me sinto feliz e completo. Agente percebe que é feliz quando olhamos e sentimos que o problema dos outros são maiores que os nossos.Sinto uma vontade de ajudar esse garoto que perdeu todos os movimentos do corpo. Eu o conheci no dia em que ficou assim. Fui buscar minha irmã mais nova que iria fazer um teste em um teatro na avenida paulista.Estava sentado na recepção entediado quando um dos concorrentes se levantou ao sinal da secretária e acabou tropeçando indo de cara ao chão, todos deram risadas abafadas, me entriguei em tentar rapidamente prever sua reação esbravejada mas ele riu mais que qualquer outro ali e nem tinha percebido que os outros riam dele.A felicidade dele me contagiou, ele estava tão feliz como se fosse como uma criança abrindo seus presentes embaixo da árvore na sala na manhã de natal. Esses rápidos momentos de felicidades tornam-se as lembranças mais maravilhosas de nossas vidas.O garoto todo empolgado com o papel que recebera da secretária saia correndo da recepção. O assunto foi unânime, a patética queda dos jovem sonhador. Entre as secretárias o assunto mudou rápido, do tombo do garoto passou para seu desempenho no teste, teste esse que minha irmã estava nesse exato momento fazendo. Agora eu entendia o drama da minha irmã falando que o teste era muito difícil e que se ela passasse tornaria-se a maior estrela nacional.As secretárias boquiabertas não entendia o motivo da nota tão generosa que o jovem sonhador conquistara.Até eu ficaria feliz como ele se conquistasse o que ele conquistou e olha que eu não sou muito de demonstrar minhas emoções. Não compreendia o quanto, mas era muito. Qualquer um percebia isso.Pouco menos de um minuto após a sída do garoto a recepção foi invadida por um caminhão amarelo. Todo mundo teve alguns arranhões e se desesperaram mas minha preocupação foi com o motorista da carreta.Na batida ele voou pelo vidro e foi atirado do outro lado da sala. Consegui fazer alguns truques de primeiros socorros básicos e salvar sua vida. Conseguimos sair dali quase 5 horas depois. Minha irmã saiu intacta e adorou virar celebridade por um dia. Foi em todos os programas de televisão naquela semana contando detalhes do acidente que eu vi pois ela saiu da sala do teste depois de tudo estar destruido.Eu tomei como missão ajudar aquele motorista. Prometi a mim mesmo que nunca ia abandonar aquele garoto até ele se recuperar ou morrer. Morrer. Triste fim daquele jovem sonhador que morreu na hora, ele parecia ter conquistado seu sonho. Espero estar fazendo a coisa certe. Pelo menos eu nunca me arrependi das escolhas que fiz na vida, apesar dos altos preços pagos pelas minhas escolhas.

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